segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Entre Amigos - 12 de abril de 1999

Para que serve um amigo?Para rachar a gasolina, emprestar a prancha, recomendar um disco, dar uma carona pra festa, passar cola, caminhar no shopping, segurar a barra.Todas as alternativas estão corretas, porém isso não basta para guardar um amigo do lado esquerdo do peito.

Milan Kundera, escrito tcheco, escreveu em seu sétimo livro, "A identidade", que a amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprie eu.Chama os amigos de testeminhas do passado e diz que eles são nosso espelho, que através deles podemosnos olhar. Vai além: diz que toda amizade é uma aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado contra seus inimigos.

Verdade verdadeira. Amigos recentes custam a perceber essa aliança, não valorizam ainda o que está sendo construído.São amizades não testadas pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com solidez as tempestades ou se serão varridos numa chuva de verão. Veremos.

Um amigo não racha apenas a gasolina: racha lembranças, crises de choro, experiências, racha a culpa, racha segredos.

Um amigo não empresta apenas a prancha. Empresta o verbo, empresta o ombro, empresta o tempo, empresta o calor e a jaqueta.

Um amigo não recomenda apenas um disco. Recomenda cautela, recomenda um emprego, recomenda um país.

Um amigo não dá carona apenas pra festa. Te leva pro mundo dele, e topa conhecer o teu.

Um amigo não passa apenas cola. Passa contigo um aperto, passa junto o reveillon.

Um amigo não apenas caminha apenas no shopping. Anda em silência na dor, entra contigo em campo, sai do fracasso ao teu lado.

Um amigo não segura a barra, apenas. Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o tranco, o palavrão, segura o elevador.

Duas dúzias de amigos assim ninguém tem. Se tiver um, amém.

Martha Medeiros.